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Odisséia Uruguaia II

Perrito aplastado

Estar naquela cidadezinha uruguaia me fazia lembrar os anos 70 que eu era muito novo para ter conhecido bem. Anos 70 nem tanto, mas um quê de 1980 e poucos era possível sentir no ar. Podia apenas imaginar como deveria ser o dia-a-dia vagaroso, o longo arrastar das horas ao se viver nesse exato ponto da América do Sul há duas décadas.

Não apenas as cores das roupas e modelos de carros velhos estacionados em ruas largas e por vezes não asfaltadas que remetiam a esse período. A própria cor da cidade era meio granulada como um fotograma de filme antigo 8mm. Era engraçado de ver nas ruas velhinhas e crianças em seu meio de locomoção habitual, mobiletes azuis em sua maioria com as cestinhas para compras no guidon.

Na frente do Centro de Diversiones Musicales de Rio Branco, um boteco de sinuca e música ao vivo aos sábados à noite, onde uma garota escutava sucessos latinos, estávamos os três andando nas ruas calmas e pouco trafegadas no meio da tarde. Do banco detrás do carro pude sentir que tínhamos passado por uma lombada pelo pulo do carro. O detalhe é que a lombada tinha pêlos e começou a gritar de dor.

O carro rodava a baixa velocidade, mesmo assim ter passado com os pneus por cima do pequeno cachorro foi o suficiente para condená-lo, como nos explicou o veterinário, amigo dos pais da Rosana e médico da família, que dirigia o carro, ao ver o animal sangrando pela boca.

Enquanto o animal morria na mesa do consultório após receber uma injeção para acabar com seu sofrimento, voltamos ao local do “crime”. O sentimento de culpa pelo acidente dominou minha amiga e ela chorou não apenas pelo cachorrinho, aproveitou e desabou também pela perda recente que tivera na família.

A mãe da garota era brasileira e disse para não nos preocuparmos, mas que deveríamos providenciar as exéquias do animal. A menina estava chorando em seu quarto, diferentemente do modo apático como reagiu aos apelos do cão de apenas 4 meses alguns minutos atrás.

Voltamos à clínica. O doutor Malfato nos sugeriu que levássemos ao Basurero Municipal para deixarmos o corpo do cachorro já devidamente enrolado em sua mortalha, um grande saco de ração para cavalos.

Para chegarmos ao tal lugar, guiados pelas indicações do veterinário, passamos por uma parte da cidade um pouco mais afastada do centro onde tudo havia ocorrido. Vimos casas pequenas e feias em terrenos minúsculos cercados por arame farpado. Era mais para frente, passando o cementerio, como nos disse uma velha com cara de figurante mexicana.

No fim após circularmos por mais uns cinco minutos sem encontrar o depósito de lixo da cidade, acabamos abandonando o corpinho do cachorro em um terreno que estava sendo coberto com aterro. Assim dentro de uns pneus o cadáver ficou.

Atravessando a ponte na volta para o Brasil nos demos conta de que não sabíamos o nome do animal.

Escrito, produzido e dirigido porLeandróide às 11:20:00 AM  

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