Rádio

Antes tarde...

Estive tão ocupado nos últimos meses com minhas atividades audiovisuais que deixei esse blogue em segundo plano, para não dizer último mesmo, que nem deu tempo de postar na época da confusão causada pelo aumento das passagens do latão em Floripa minhas mui argutas e imparciais considerações acerca do palpitante tema que estarão incluídas no meu documentário "Um passinho a frente fazendo favor"

Aí segue então com um pouco de atraso meu relato:

Comecei meio tarde meu documentário. As manifestações contra o aumento das passagens tinha começado na segunda-feira, 28 de junho, e eu só levei a sério depois da pancadaria que ocorreu na quarta à noite no terminal do centro. Na quinta-feira comecei a captar imagens e sons dos protestos discretamente, não sabia se iam me confundir com policial à paisana levantando informações sobre aquele bando de gente. Apenas o cinegrafista oficial do movimento se aproximou e pediu meu contato para trocarmos figurinhas mais tarde. Me falaram que ele tem gravado minutos suculentos com a pancadaria patrocinada pela PM.

Pensei que na sexta ia apanhar da polícia junto com os manifestantes e aproveitar para registrar o tumulto debaixo de nuvens de gás lacrimogêneo. A sensação de ser atingido com bombas de efeito moral não é agradável e já tive o desprazer de ser submetido a esse tratamento em outra oportunidade. A sensação de abrasão da garganta e vias aéreas bem como a irritação nos olhos leva um bom tempo para passar.

A expectativa para um novo confronto era grande. A tropa de choque estava na rua e até a cavalaria tinha sido convocada. Não seria uma má idéia os protestantes terem por perto alguns mastins napolitanos para mastigar as pernas dos cavalos, tática de combate empregada acho eu pelos romanos para invalidar a ação da tropa montada. O cão morde a perna do cavalo, derrubando seu cavaleiro e o linchamento começa. Mas nada aconteceu. Do terminal todos rumaram até a ponte e interromperam o acesso ao continente por uns vinte minutos. A merda de morar numa ilha é isso. Sem ponte, só sobra remar até o continente.

O fim de semana foi calmo porque manifestante também é filho de Deus, mas na segunda-feira seguinte tudo de novo: grupos de estudantes e simpatizantes bloquearam a entrada do terminal do centro. Depois marcharam até a sede da prefeitura. Lá se seguiram mais discursos e se entoaram canções para dona Ângela, nada lisonjeiras como era de se esperar. Há que se destacar a disposição que esse pessoal tem para andar tanto. Alguns vão desenvolver resistência suficiente para não depender mais de ônibus. Se não conseguirem reduzir o preço da tarifa pelo menos a movimentação vai ter servido para alguma coisa.

Minha abordagem para esse documentário seria total distanciamento, um olhar totalmente imparcial sobre a situação bem de cima do muro. Não queria entrevistar nem mandatários nem os líderes dos protestos. Minha meta era ser odiado e incompreendido tanto pelo establishment como pelos manifestantes. Aquela coisa: é desfavorável demais com o pessoal engajado na causa e indepedente demais segundo as autoridades. Vamos ver o que consigo disso quando o conflito finalmente cessar.

Gravei depoimentos de uma garota vítima da violência policial, seu antebraço esquerdo e joelho direito, que tinha sido operado dias antes, apresentavam aquela cor característica de hematoma apagando. Notei um toque de orgulho da rebeldia e contestação juvenil mal disfarçado ao ostentar suas feridas de batalha para as minhas lentes. Não dou nem 5 anos para ela estar bem posicionada no mercado de trabalho em um cargo invejável, sendo uma megera com os subordinados.

Posso estar sendo injusto com ela e os demais. Depois de terem me dito que um líder do grêmio estudantil do meu tempo de Escola Técnica, praticamente sócio-fundador do PSTU, em menos de uma década tinha ingressado no PSDB Jovem e apoiado a reeleição do FHCê, qualquer coisa pode acontecer.

Flagrei também o instante em que um sujeito se aproveita de um pinguço caído, toma um gole de sua garrafa de cachaça e é reprovado por circunstantes aos gritos de “vai comprar a tua”. Um exemplo terno de cidadania e solidariedade com os menos favorecidos que deveria se propagar pelo ar com uma freqüência maior.

Escrito, produzido e dirigido porLeandróide às 10:56:00 AM 0 comentários