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Filmagens - Dia 5

Se vocês estão acompanhando fielmente o diário de produção, sabem que tá tudo correndo dentro da mais absoluta normalidade. O cronograma tá sendo cumprido. Sem brigas ou atritos bobos. No máximo o que tive que fazer foi chamar a atenção do pessoal da pesada pra não pegar no pé do nosso figurinista e suas insinuações de que ele seria um jovem antílope. A câmera operada pelo Ferrinho às vezes funciona. Tirando isso, maravilha!!!

Até esse dia.

Sei lá porque resolvi passar o sabão no diretor de produção por aceitar que o almoço fosse entregue um pouco mais tarde. Ele ficou meio mal com aquilo mas sobreviveu.

Enquanto fazíamos a cenas que o Almeida e o Carteiro conversavam na frente da casa do seu Alcides sobre as excentricidades do velho, a diretora de arte, uma argentina (tá explicado!) teria seu verdadeiro desafio como diretora de arte, cuidando do cenário do boteco do Almeida. A locação seria um bar de verdade, no Ribeirão, de um francês casado com uma carioca. A gente tinha combinado fazer num dia que ele não iria abrir, já que não IA pagar nada por isso.

Fomos almoçar e o infeliz do meu produtor, que mal estava se alimentando esses dias todos, fica pálido e desaba. Imagina agora uma cara com mais de 1,90 caindo no meio do povo almoçando. Todo mundo corre pra ver o que se passa. Ele está tão mal que não consegue falar direito. Alguém sugere que o levassem para o posto de saúde que ficava perto da igreja e da praça da cena do desfile. Ele vai pra lá, termino meu almoço e um a menos na equipe.

Me sinto mal com aquilo, será que foi minha culpa o colapso dele? Ná, todos me tranquilizam e me dizem que ele não estava se alimentando direito. Na real ele já se queixava de um início de gastrite na época da pré. Pena que o plano de saúde da minha produtora não cobria isso ou qualquer dor de cabeça que fosse.

Bom, o show tem que continuar e a escritora, minha ex - estão lembrados? - volta a visitar o set e traz sua irmã e um jovem antílope, quer dizer um jovem aspirante a cineasta. Posso dizer que o timing dela é perfeito. Chegou num dia de crise. Por isso nem ficou muito tempo.

A diretora de arte e sua equipe tinham comido antes e foram pro bar preparar tudo. Tinham que tirar várias garrafas dos armários, embalar cuidadosamente os objetos que não seriam utilizados. O bar caiu como uma luva pro espírito do filme. Era perfeito e mal podia acreditar que não iria custar um centavo.

Enquanto isso, continuávamos de onde tínhamos parado com o Almeida e o Carteiro quando me chega o produtor de set ou platô em bom português e me diz que o francês quer conversar sobre o u$o de seu bar.

Na verdade o explorador que disse que não ia cobrar nada desde que fosse num dia que ele não abrisse, queria liberar o boteco até as 5 por 150 reaus. E que por 400 pratas a gente podia ficar até as 7 que era a hora que ele ia abrir. Como assim cobrar, como assim abrir? A gente, quer dizer, o falecido produtor tinha combinado com ele e a mulher uma coisa e quando chegou a hora H, foi outra. Na verdade ele, o produtor, não ia fazer tanta falta assim. Agora entendo as apreensões dele, quem não faz o trabalho direito... Mais uma lição: um contrato verbal não vale o papel em que está escrito.

Nem fui falar com o gringo porque ia avançar nele, só de ouvir aquele frantuguês dele. Disse pro platô que a gente ia arranjar outro lugar e que pedisse que as minas da cenografia parassem o que estavam fazendo, colocassem tudo de volta e retornassem.

Quando dizem que pouca merda é bobagem? Pois então!

Depois de um tempo, a argentina volta e me diz que está indo embora. Que eu tinha abusada dela, como se fosse de propósito o mal entendido internacional. Oh, não! Mais uma tendo ataque agora. E com ela ia grande parte do figurino, além do figurinista, da continuísta e possivelmente a assistente de arte, em solidariedade. Que lindo isso! Eu tinha certeza que qualquer uma que trabalhasse no curta, da maquiadora passando pela assistente de direção, ia dar pra mim. Diretor "fodão", diriam meus detratores!

Mas o meu charme natural dessa vez não ia me tirar dessa. O clima ficou tão pesado que parecia que um ponto de interrogação pesando uma tonelada tinha despencado sobre o set.

No quartinho da maquiagem/figurino vi que elas não estavam blefando. Estavam arrumando tudo para se mandar. Como eu não sei, porque com as minhas kombis não ia ser...

A produtora de elenco, acostumada a resolver problemas entre as partes mais sensíveis da produção, atores e atrizes manhosos, tentou apaziguar. No melhor estilo Celso Russomano, tentou buscar uma reconciliação que fosse boa para ambas as partes. Parecia lavação de roupa do BBB. Nessas horas eu senti falta do making of.

Por mim essa gringa que fosse pro inferno, não tava nem aí mas então pensei nos patrocinadores e em todos os petrodólares que foram investidos no projeto. Hm, tá bom essa parte não é bem assim. O único que tava bancando o filme, estava fazendo meio que por obrigação, pra não ficar chato pra sua cara perante a classe artística.

Resumindo, meia hora de argumentações dentro do quartinho enquanto os outros estavam tentando ouvir pelo buraco da fechadura: continuamos juntos nessa. Na mesma hora descolamos o bar bem próximo do QG e da casa cenográfica do Veterano. Não era exatamente o ambiente rústico porém perfeito do bar do francês mas quebraria o galho. Enquanto a a argentina arrumava tudo, me recuperava gritando com o oceano. Só as ostras (e a Sayuri, a japa da make-up) sabem as barbaridades que eu disse.

Não sei porque mas depois desse episódio a diretora de arte começou a me pedir opinião sobre a cenografia e essas coisas todas que ela era responsável. Isso sempre me intrigou, parece que tenho que bater com o pau na mesa para mostrar como as coisas funcionam por aqui.

E foi assim que o dia terminou. Um dos mais engraçados em termos de erros de gravação. O Renato Turnes (Carteiro) acabou tendo que beber cerveja de verdade e dava pra ver a danada fazendo efeito e dobrando a língua dele.

Sabe esses sonhos que não conseguimos fazer o que a gente quer mesmo sabendo que é sonho e se pode fazer qualquer coisa? A mesma coisa, eu tava num boteco e nem me toquei de beber.

Escrito, produzido e dirigido porLeandróide às 10:30:00 PM  

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